"Passar da divisão distrital para a nacional foi uma mudança avassaladora"
- DesPorto
- 1 de mai. de 2020
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André Ferreira Van Der Kellen Pinto (26 anos, Porto) é jogador de futsal do Clube Desportivo das Aves e, em entrevista ao DesPorto, aborda o início da sua carreira, nomeadamente a transição do futebol para o futsal, bem como o impacto do Covid-19 na modalidade.
DP: Começaste por jogar futebol no Candal em Gaia aos 9 anos de idade sempre tiveste facilidade com os pés e destacavas-te por ter um pé esquerdo fantástico, mas a tua posição no clube era guarda redes, esta decisão foi tua ou do Candal?
AP: Na altura foi uma decisão de ambas as partes. Sempre gostei muito da posição de guarda-redes, mas também houve interesse do clube. Quando apareci no primeiro treino do clube havia muita gente interessada em ingressar os quadros do clube e uma das posições que tinha menos concorrência era essa. Juntando o útil ao agradável optei por escolher essa posição. Na altura era o único guarda-redes canhoto a competir no clube e era considerado a melhor opção no que toca a jogo de pés. O que fazia com que os jogadores não tivessem qualquer receio em jogar a bola para trás.
DP: Achas que os tempos em que jogavas nos intervalos também te ajudaram a progredir como jogar de futebol, inicialmente, e como jogador de futsal posteriormente quando te juntaste ao Miramar em 2008?
AP: Desde miúdo sentia que os dias mais divertidos eram aqueles em que jogava futebol, principalmente quando tinha a possibilidade de jogar com amigos, além destes constituírem a minha equipa regular da escola e jogarmos todos os dias. O início da minha carreira de futsal deve-se a um desses amigos com quem jogava futebol todos os dias na escola, que um dia me questionou se gostaria de experimentar. Depois de realizar dois treinos e passar pelas captações do clube decidi ficar, até porque adorei a experiência. Com a liberdade que tinha na altura sentia que este passo era apenas uma continuação daquilo que fazia na escola, mas passado algum tempo e fazendo uma comparação com os meus colegas do Miramar, apercebi-me que realmente tinha jeito para o futsal e que esta habilidade não se refletia apenas quando jogava na escola com os amigos. Mas é importante referir que caso não tivesse jogado tanto futebol na escola e com o gosto que o fazia, muito provavelmente nunca teria experimentado jogar futsal, por isso foi sem dúvida uma ajuda valiosa no meu percurso profissional.
DP: Falando agora da tua transição do futebol para o futsal. Como já referiste em 2009 entraste para o futsal do Miramar e nunca mais deixas-te a modalidade. Apesar de estares habituado a jogar futebol de 5 com os teus amigos achas que a mudança foi fácil para ti? Como é que foi para ti esta nova adaptação?
AP: Houve claramente alguns aspetos complicados nomeadamente as dimensões do campo, mas acho que é normal para quem faz a transição do futebol para o futsal. A posição de guarda-redes acabou por me dar alguma ajuda quando passei para o futsal principalmente no que toca a resguardar espaços fechados. Diria até que a minha adaptação foi inversa aquilo do que normalmente é esperado para atletas que fazem este tipo de transição, pois nunca tive dificuldades em defender ou em baixar no terreno de jogo. Uma das mudanças mais positivas foi o facto de as substituições no futsal serem ilimitadas, contrariamente ao aquilo que experienciei no futebol e principalmente na posição em que jogava. Se um guarda-redes começasse o jogo no banco de suplentes, provavelmente já teria a noção que não iria jogar aquele jogo a não ser por razões físicas do guarda-redes titular. Foi aí que percebi que no futsal havia muito mais oportunidades em jogar comparativamente com o futebol.
DP: Após sete temporadas no Miramar, duas temporadas no Arsenal Parada e uma curta passagem pelo Caxinas, entraste para o CD Aves onde estas neste momento a realizar a segunda temporada. Sentiste que houve uma clara evolução de competitividade no que toca à passagem da Divisão de Honra para a Série B e posteriormente para a Série A?
AP: Sem dúvida, quando passei para o escalão sénior do clube, este ingressava a divisão distrital. A divisão era competitiva assim como o nível de jogo e os princípios básicos que o envolvem, mas faltava uma cultura mais instruída e jogadores mais evoluídos a nível técnico e tático. Numa primeira fase não notava tanta discrepância, mas como tive a sorte de dar o salto de uma divisão distrital para uma divisão nacional muito rapidamente sem passar por escalões e séries intermediarias e isso sim, foi uma mudança avassaladora. Tinha árbitros diferentes, tempo de jogo diferente, treinadores com métodos de ensinamento completamente novos, intensidade de jogo maior e muita gente experiente em competição. Sinto que foi a transição com mais impacto na minha carreira pois obrigou-me a repensar a minha maneira de jogo, tanto a nível de leitura de jogadores como no que acontecia dentro de campo. Por outro lado, isso também trouxe coisas positivas, comecei a ser mais meticuloso e a respeitar muito mais as decisões dos treinadores. Senti também que este escalão puxou muito pelo meu lado intelectual e pela minha rápida tomada de decisão. Obrigou-me a pensar mais no jogo e nas ações que poderia ter e que os adversários poderiam ter também. Da Série B para a Série A, a maior dificuldade que senti foi a nível de estilo de jogo, passando de um futsal mais técnico para um futsal mais físico, onde encontrava equipas mais aguerridas e menos completas a nível de cultura de futsal, mas que nunca deixavam de lutar pela vitória e davam tudo nos 40 minutos de jogo.
DP: As 26 anos de idade estás a caminhar para atingir o pico da tua carreira como jogador de futsal, tens como objetivo atingir um patamar superior no que toca ao futsal ou simplesmente desejas continuar a progredir num clube como o Aves e que te permita conciliar a atividade física com o trabalho, apesar de ser um rendimento extra.
AP: Durante muitos anos tive a ambição de jogar na primeira divisão nacional de futsal, mas com o passar dos anos e devido à minha formação académica (Mestre em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto), achei que não seria prudente seguir esse caminho. Nos meus últimos anos de faculdade tive a oportunidade de ingressar alguns clubes da primeira divisão, no entanto por uma questão de opção a nível profissional e pessoal, decidi continuar na segunda divisão e não abdicar da faculdade ou de outras coisas que provavelmente teriam que ficar para trás. Neste momento pretendo continuar na segunda divisão nacional, apesar de não excluir a hipótese de no futuro entrar para uma equipa do escalão superior, mas para já estou bem.
DP: Devido ao surto do COVID-19 e suspensão de todas as provas como tens mantido a forma física e qual o plano do Aves para que os seus atletas mantenham a atividade? Há algum acompanhamento da parte deles seja a nível alimentar, seja a nível físico, ou depende apenas e somente dos atletas?
AP: Esta pandemia apanhou toda a gente de surpresa, mas o clube fez algumas recomendações a nível de preparação física para que os atletas continuassem em forma. Não digo que este acompanhamento tenha sido individual, mas o treinador e a equipa foram recomendando diferentes exercícios para os vários atletas. Além disso falam connosco regularmente com o objetivo de nos preparar, pois apesar de a competição ter sido cancelada de um momento para o outro, também pode ser retomada e todo o staff e atletas têm que estar preparados. Relativamente à alimentação dos atletas, há sempre umas recomendações por parte da fisioterapeuta do clube, mas principalmente nos dias de jogo. Em quarentena não há um grande acompanhamento no que toca à alimentação, isso fica a cargo de cada atleta decidir o que comer.
DP: Há notícia que alguns clubes como o Nacional da Madeira já se encontram a treinar, apesar de ser em grupos mais pequenos. Na tua perspetiva as competições deveriam ser retomadas ainda esta época, ou achas que ainda não estão reunidas as condições necessárias?
AP: Tendo em conta o escalar de números e sendo esta pandemia um problema mundial, sinto há uma corrida para que as coisas voltem à normalidade o mais rapidamente possível a nível desportivo. Os clubes fazem e fizeram grandes investimentos e têm que continuar a pagar os salários aos jogadores pois esta é a profissão deles, e percebo o lado deles em querer voltar rapidamente à normalidade, mas a meu ver há outras prioridades, e neste momento e estas coisas não devem ser apressadas. O futebol é das modalidades que atrai mais praticantes e adeptos e se esta ação, de retomar tudo à normalidade, for precipitada, poderá trazer uma nova onda de consequências que os clubes e instituições não querem enfrentar. Na minha opinião ainda é cedo para que tudo volte à normalidade e os clubes deveriam manter a atividade em stand by para garantir a segurança dos jogadores e dos adeptos. Quando estiverem reunidas todas as condições para que a atividade seja retomada, toda a gente o irá fazer em força e com 100% de compromisso com os clubes.
DP: A última questão que temos para te colocar é em relação ao teu futuro, quais é que são os teus objetivos como atleta para o futuro e até onde gostarias de chegar?
AP: Gostaria muito de fazer parte de uma equipa que fosse campeã nacional, neste caso na segunda divisão nacional, pois é preciso um grande querer e uma grande equipa para se lá chegar. Mas a minha prioridade a nível desportivo e também para a minha carreira é ter um bom grupo e uma boa orientação, além de uma boa equipa técnica que não só saiba trabalhar os jogadores, mas que também aprende, o que nos faz crescer como profissionais. Porque no final de contas o que levamos connosco são as amizades, os grupos de trabalho, o bem-estar de ir treinar 4 ou 5 vezes por semana. Não devemos ter apenas o foco em ser os melhores, mas sim pensar que não seriamos nada se não tivéssemos um grupo de trabalho e amigos que gostamos, e com quem podemos partilhar os melhores e piores momentos, são estes os pormenores e ensinamentos que levamos para a vida.
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