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Desporto adaptado: será o desporto realmente para todos?

  • Foto do escritor: DesPorto
    DesPorto
  • 22 de jun. de 2020
  • 7 min de leitura

Por: Rita Marques Oliveira


O desporto adaptado tem vindo a ganhar algum destaque em Portugal e especialmente na cidade do Porto, em grande parte devido ao trabalho desenvolvido pela secção de desporto adaptado do FC Porto. Mas será o desporto realmente para todos? Ou haverá ainda um longo caminho a percorrer no combate ao estigma ?


O DesPorto foi conhecer Carla Oliveira, uma promissora atleta paralímpica que representa os dragões na categoria B4 de boccia, uma das modalidades que se insere no desporto adaptado.


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Foto: Carla Oliveira; FCP Notícias


Embora revele nunca ter tido uma “cultura desportiva” que a direcionasse para esta prática e após ter sido diagnosticada à atleta uma distrofia muscular que a levou a uma cadeira de rodas, Carla Oliveira foi desafiada a experimentar a modalidade ainda muito jovem, aos 14 anos. A modalidade não suscitou logo o interesse da atleta que revela que apenas seis anos depois, aos 20, após o término da licenciatura, decidiu dar outra oportunidade ao boccia, embora “não muito convicta que fosse gostar/permanecer na modalidade”.


Ainda longe de “sonhar participar num Jogos Paralímpicos ou ter experiências internacionais” a atleta aceitou a proposta do seu clube do coração (Futebol Clube do Porto - FCP), que acrescenta ter sido “determinante para aceitar o desafio de integrar o desporto.”, passando assim a representar o clube azul e branco.


Para Carla, o contacto com a modalidade não foi amor à primeira vista. O “bichinho do Boccia” como a atleta refere, só surgiu após a primeira competição e rapidamente passou de “hobbie” a prioridade. A atleta afirmou ainda que atualmente a sua vida é “praticamente definida” pelos seus objetivos desportivos. “Há projetos pessoais adiados/cancelados por causa das metas que estabeleço para o desporto. Levo o desporto como algo muito sério, que já me deu muito e que também já me tirou muito. Tenho crescido imenso com o Boccia e sou muito grata por todas as oportunidades que têm surgido na minha vida relacionadas, ou não, com o Boccia.”, acrescentou.


Embora o boccia tenha hoje um lugar de destaque na vida de Carla, este não é o único desafio que a atleta de 31 anos enfrenta, uma vez que é também responsável pela área social da secção de desporto adaptado do FC Porto. Após o trabalho, Carla dedica-se ao treino e tem a sua rotina, que passa não só pela parte física propriamente dita, como também pela parte psicológica que a atleta considera ser crucial, muito bem definida.


“Houve sempre uma necessidade que tive, o de ter outros projetos em paralelo. Após estar no Boccia fui tirar mestrado, porque queria ingressar no mercado de trabalho e ter a minha independência financeira. Conseguir uma carreira profissional era imprescindível para mim. Nunca quis ter apenas um plano na minha vida, porque efetivamente, as coisas podem correr mal. Conciliar o trabalho com o desporto é fundamental e algo que me deixa muito orgulhosa.”


O boccia acabou por conquistar o coração de Carla, também devido ao facto de ser “uma das poucas modalidades que poderia ter alguma progressão” devido às limitações motoras que apresenta, mas apesar da inexistência de expectativas futuras no que à modalidade dizia respeito, a atleta também representa a seleção nacional. “A verdade é que fui gerindo as expectativas à medida que as coisas iam acontecendo e, de repente, estava a participar nos estágios da seleção nacional. E, de repente, fui a uma competição “amigável” na Tunísia. E, de repente, fui à minha primeira experiência internacional (e ganhamos logo medalha de ouro em pares). E quando dei por mim estava nos Jogos Paralímpicos, sem grande noção do que eram e do quanto iriam impactar a minha vida”, revelou.


Estar ao serviço da seleção portuguesa é para atleta um motivo de grande orgulho, mas ao mesmo tempo de grande responsabilidade, que leva a atleta a exigir cada vez mais de si não só em competições nacionais, mas especialmente quando representa internacionalmente a bandeira das quinas.


A apuração para os paralímpicos 2020, foi outra das conquistas de Carla e o adiamento da competição devido à situação pandémica que se vive, provocou um sentimento de incerteza “destruidora” na atleta que revelou ver “um sonho de 4 anos adiado por mais um, pelo menos”.

O adiamento acabou por implicar “muitas mudanças e reajustes a nível pessoal”, mas nem tudo foi negativo e a portista encarou o confinamento como um período que lhe permitiu focar-se “mais no trabalho de preparação física, algo que não costumava fazer”, acrescentou.


Questionada pelo desporto, a atleta internacional destacou “o estigma relacionado com o desporto adaptado” em si, como um grande obstáculo a esta vertente desportiva que, para além disso, carece ainda de apoios.


“O continuar-se a associar o desporto adaptado a algo mais fácil, pouco competitivo e apenas para pessoas com deficiência se “entreterem” é o mais limitativo. A mentalidade continua a ser o maior empecilho que nos impede de avançar. Queremos ser reconhecidos pelo nosso esforço e dedicação ao desporto. Queremos que nos olhem como atletas de alta competição. Queremos que entendam que, para chegar ao mais alto nível isso implica excelência desportiva, muito esforço, dedicação, sacrifício e seriedade. Se fosse visto desta forma então os apoios não seriam um problema, mas uma prioridade de investimento.”


Apesar do impacto crescente desta vertente desportiva, existe ainda um grande estigma associado a esta prática e a atleta partilhou com o DesPorto uma das situações que a deixou incomodada.


“Uma das vezes que comentava as minhas experiências internacionais com pessoas conhecidas disseram-me: “é bom estares no desporto porque assim estás entretida, e até viajas”. Senti-me tão ofendida com este comentário, tentei desvalorizar e até (como é meu costume) ironizar a situação, mas a verdade é que, por ser desporto adaptado, não tem tanto valor.

Por outro lado, também existe quem valorize de forma exagerada, como se pelo facto de estar numa cadeira de rodas fizesse de mim uma super mulher e, o desporto, é só mais uma área que comprova isso mesmo.

Tem sido difícil manter um equilíbrio neste assunto, mas, felizmente, cada vez mais se fala sobre isto (a comunicação social tem dado o seu contributo) e assim vamos desmistificando conceitos associados a pessoas com deficiência.”

O percurso da jovem é um exemplo de persistência, trabalho e dedicação, o que constitui uma inspiração para todos os que padecem deste tipo de limitações físicas, quer sejam atletas, quer não.


“Acredito que, de uma forma geral, quem não se conforma com o que a vida lhe dá já será um lutador por natureza. Nada nos pode impedir de sonhar e lutar para realizar os nossos sonhos. Pessoas assim normalmente inspiram porque são “inconformadas” com o que a vida lhes apresentou e querem chegar mais longe. Graças a Deus, e digo literalmente, graças a Ele que me dá forças todas as manhas, consigo ter o animo necessário para lutar pelo que quero. O ter metas e objetivos muito bem definidos para a minha vida ajudam- me a não desanimar, a querer concretizar o que me desafio a fazer.”


Além de se apoiar na família, nos amigos e na fé enquanto “suportes” para o sucesso, Carla Oliveira partilhou com o desporto a forma impactante como, os pilares do FC Porto, assentes na ambição, paixão, rigor e competência inspiram a sua prática desportiva.


O FC Porto tem sido um dos principais impulsionadores desta vertente desportiva e Joana Teixeira, coordenadora da secção de desporto adaptado do clube azul e branco, e mestre em atividade física adaptada, revelou ao DesPorto que o maior objetivo é “criar mais oportunidades para crianças e jovens com deficiência praticarem atividade física, ou seja, criar equipas de formação, algo que é mesmo muito escasso a nível nacional”.

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Foto: Joana Teixeira, coordenadora de desporto adaptado do FC Porto

Para a jovem galardoada na 32.º edição dos Dragões de Ouro com o prémio “dedicação” não restam dúvidas: o que dá origem ao estigma e até ao preconceito, que estão ainda fortemente associados desporto adaptado é “a falta de conhecimento”. Por outro lado, afirma não sentir “que haja desvalorização em relação ao desporto adaptado e as modalidades” e acrescenta que “o Desporto Adaptado tem as mesmas condições que qualquer outra modalidade do clube, e a nível de visibilidade muitas vezes está à frente de algumas modalidades ditas normais.


O desporto esteve sempre presente na vida da jovem que coordena esta secção, mas a paixão pelo desporto adaptado viria a surgir mais tarde, no momento em que decidiu que iria enveredar por esta área profissional, fortemente influenciada pela “experiência” da mãe com o ensino especial.

Embora integrar a secção em que está atualmente inserida fosse um sonho, a jovem revela que representar o FC Porto “é uma grande responsabilidade” e um “desafio diário” na medida em que simultaneamente tem que “tentar dar resposta a todas as necessidades de cada uma das modalidades”.

Para Joana não restam dúvidas: o que dá origem ao estigma e até ao preconceito, que estão ainda fortemente associados desporto adaptado é “a falta de conhecimento”, mas por outro lado afirma não sentir “que haja desvalorização em relação ao desporto adaptado e as modalidades” e acrescenta que “o Desporto Adaptado tem as mesmas condições que qualquer outra modalidade do clube, e a nível de visibilidade muitas vezes está à frente de algumas modalidades ditas normais.

“Uma criança com deficiência muitas vezes sofre uma desvalorização por parte dos colegas da escola, contudo de acordo com as próprias ou os pais quando passa a representar um clube como o FC Porto e aparece nas notícias no website/redes sociais/televisão, muda completamente essa situação.”


Apesar de os apoios externos serem escassos e constituírem um obstáculo no que se refere à eficácia de trabalho das seleções nacionais, Joana revela que os dragões oferecem “todas as condições para os atletas atingirem os seus objetivos, com ou sem apoios externos”

A coordenadora desta secção dos azuis e brancos acredita que o facto de o FC Porto, um dos três grandes clubes portugueses ter criado esta secção, confere maior visibilidade e mais impacto na sociedade e principalmente na cidade do porto, e destaca o papel determinante que têm na forma como promovem o desporto adaptado e na forma como sensibilizam a sociedade.

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