Jiu-Jitsu em Portugal: "A comunicação social nem sempre olha para este tipo de desportos"
- DesPorto
- 22 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
Por: João Pedro Moreira
O Jiu-Jitsu brasileiro, ou como dizem no estrangeiro, Brazilian Jiu-Jitsu ou BJJ é uma arte marcial e vertente do Jiu-Jitsu. Este desporto nasceu há cerca de três mil anos antes de Cristo na Índia e era praticado por monges budistas. Devido às longas viagens a pé que tinham de percorrer, por vezes eram saqueados e roubados, e para se defenderem sem a utilização de armas ou violência, devido à religião, desenvolveram uma forma de lutar que se baseava na defesa pessoal, o jiu-jitsu. Estes ensinamentos acabariam depois por chegar à China e finalmente ao Japão, apesar de não haver evidências científicas que sustentem este processo. Facto é que esta modalidade desenvolveu-se e popularizou-se no Japão. Foi neste país que a 18 de novembro de 1878 nasceu Mitsuyo Maeda, mais conhecido como Conde Koma, lutador de jiu-jitsu que ganhou fama após derrotar vários oponentes de vários tamanhos e estilos em países como Estados Unidos da América, Bélgica, Inglaterra, Espanha, Colômbia, Argentina e muitos outros. Em 1914 Maeda desembarcou no Brasil, onde acabaria por se instalar e mudar a história deste desporto após várias vitórias no país.
O jovem brasileiro Carlos Gracie (1902-1994), teve o prazer de consolidar os conceitos e técnicas do mestre Maeda, inicialmente, após o observar numa apresentação em Belém, sendo que posteriormente foi seu aluno. Gracie abraçou os ensinamentos do seu mestre, e após incutir os mesmos seus irmãos, incluindo o seu irmão mais novo Hélio Gracie, criou a primeira academia de jiu-jitsu brasileira em 1925. Esta academia fez furor nos jornais com um golpe de marketing e atraiu dezenas de novos praticantes “Se você quer ter um abraço quebrado procure a academia Gracie”. Hélio Gracie continuou a expandir os ensinamentos do seu irmão mais velho e refinou as técnicas desta arte marcial, o que o levou a ser considerado o criador do Jiu-Jitsu brasileiro.

Foto: Hélio Gracie, conhecido como o criador do Jiu-Jitsu brasileiro; fonte: ExtraGlobo
Em 1998 a modalidade acabaria por chegar a Portugal, mas passados 22 anos ainda são relativamente poucos os praticantes desta modalidade em território nacional.
O DesPorto esteve à conversa com dois atletas profissionais com o objetivo de perceber o que mudou nestes anos, como são as suas rotinas e a razão deste desporto ainda não se ter afirmado em terras lusitanas “Temos campeonatos nacionais com 900 atletas inscritos”, afirma André Schulze, professor e lutador profissional de jiu-jitsu brasileiro na academia Focus Jiu-Jitsu e oito vezes campeão nacional.
É sabido que Portugal não é um país com tradição de desportos de combate, e segundo Schulze essa é uma das razões que dificulta o processo de afirmação da modalidade.
“A nossa cultura e mentalidade é diferente de países como os Estados Unidos da América, em que as pessoas têm a curiosidade em experimentar novos desportos”, afirmou o atleta. Outra das justificações que o professor de jiu-jitsu dá para complementar esta situação, deve-se ao facto de a comunicação social dar pouca importância a este desporto.
“A comunicação social nem sempre olha para este tipo de desportos e muitos destes eventos passam despercebidos aos portugueses”, constatou ainda.

Foto: André Schulze, oito vezes campeão nacional e professor de Jiu-Jitsu brasileiro na academia Focus Jiu-Jitsu
Pedro “Paquito” Ramalho é 12 vezes campeão nacional de jiu-jitsu brasileiro, a estes triunfos junta os títulos de campeão europeu e mundial também. Tal como aconteceu com André Schulze, Paquito tornou-se num mestre e professor desta modalidade também na academia Focus Jiu-Jitsu, ambos orientados pelos ensinamentos de Manoel Neto.

Foto: Pedro “Paquito” Ramalho, campeão mundial, europeu e nacional de Jiu-Jitsu brasileiro, além de professor na academia Focus Jiu-Jitsu
Em conversa com o DesPorto, Paquito concorda com as afirmações do seu compatriota e amigo André Schulze, acrescentando que um dos maiores problemas do jiu-jitsu no nosso país pode estar relacionado com a forma como os portugueses vêm os desportos de combate “Muitos portugueses veem os desportos de combate como uma coisa má, sem nunca terem experimentado ou sem perceberem os seus mecanismos”. O mesmo afirma que a falta de tempo é outro dos fatores e razões da modalidade ainda não ter conseguido vingar em Portugal “O jiu-jitsu brasileiro ainda é bastante recente no nosso país e, na minha opinião, ainda é preciso esperar alguns anos para que se sinta um crescimento no número de atletas”.
Esta arte marcial utiliza essencialmente golpes de alavancas, torções e pressões, de forma a derrubar o oponente ao chão e a dominá-lo, mas apesar disso está sempre em constante desenvolvimento e mudança no que toca a novas técnicas ou abordagens a posições “No jiu-jitsu todos os anos há novas abordagens a posições ou novos detalhes, e isto pode mudar o formato da competição no ano seguinte” informa André Schulze. Paquito não fica atrás e acrescenta que esta é uma das principais razões que o faz continuar a praticar a modalidade “Quem pratica jiu-jitsu de alto nível tem de estar constantemente atualizado relativamente a novas técnicas e movimentos”. Ambos os atletas concordaram que um bom profissional de jiu-jitsu tem de fazer o seu trabalho de casa observando vídeos de outros atletas e estudando novas técnicas para manter um bom rendimento. Este método foi claramente importante no aproveitamento de Schulze e Paquito após verem as atividades da modalidade suspensas devido à pandemia do covid-19.

Foto: Pedro “Paquito” Ramalho tenta derrubar o adversário ao chão
Os danos colaterais causados pela pandemia de covid-19
Como toda a gente sabe, a pandemia de covid-19 que começou no início do ano teve um enorme impacte no mundo do desporto. O jiu-jitsu não fugiu à regra e, visto que se trata de um desporto de contacto, a sua prática ficou impossibilitada.
Para Paquito esta situação durou muito mais tempo do que aquilo que inicialmente se previa, e a única maneira de manter a forma era realizando exercício físico em casa, sendo que na sua opinião o verdadeiro teste desta quarentena foi a superação a nível mental. Já Schulze afirma que só se apercebeu da gravidade da situação após algumas semanas do início da quarentena. “Só passadas algumas semanas após o início da quarentena é que percebi a situação em que estava a viver e como é que poderíamos melhor o nosso jiu-jitsu sem ter de o praticar”, arfirmou. "Se fomos impedidos de treinar, temos a obrigação de melhorar outros aspetos. É preciso pensar no que podemos fazer de melhor quando as coisas voltarem ao normal, assim como pensar em novas formas de dar aulas", acrescentou Shculze.
Juntamente com Eduardo Miguel Santos, outro ex atleta de jiu-jitsu brasileiro, Schulze criou um novo projeto intitulado BJJReplay durante a quarentena. O BJJReplay é uma plataforma que interliga alunos a professores abordando e aprofundando questões técnicas do jiu-jitsu.
“O aluno entra na plataforma e seleciona o professor com quem quer ter a sessão de coaching online e esta pode consistir em diferentes atividades, como por exemplo, uma análise do vídeo do próprio aluno, uma luta que o aluno tenha visto na internet ou mesmo uma discussão sobre alguma técnica”, explicou. O mesmo acrescenta que o objetivo deste projeto passa por tentar manter as pessoas ligadas ao jiu-jitsu e que estas continuassem a evoluir a nível técnico mesmo estando afastadas. “Paramos de treinar e percebemos que nem toda a gente tinha a capacidade de evoluir nestas condições, e ter alguém qualificado como o caso dos treinadores que temos na nossa plataforma e que estão preparados para ajudar, facilita bastante este processo”.
No que toca ao futuro deste projeto, Schulze não tem dúvidas em afirmar que o BJJReplay vai ser muito útil e benéfico para os atletas e alunos que utilizarem a plataforma “Achamos que é um projeto que vai continuar e que provavelmente até vai correr melhor após o regresso aos treinos, porque no fundo o que fazemos é analisar vídeos de treinos e posições, e qualquer aluno pode gravar o seu treino e posteriormente submete-lo na plataforma onde será revisto e comentado por um treinador”.

Foto: André Schulze e Eduardo Miguel Santos - Criadores da plataforma BJJReplay
Já num tom de brincadeira os dois atletas foram questionados sobre qual o adversário mais complicado que já defrontaram em combate. “Este rapaz que está aqui sentado ao meu lado”, afirmou Paquito. Schulze acabaria por defender a teoria do amigo e declarando de igual modo que o adversário mais difícil que tinha defrontado era Paquito.

Foto: André Schulze e Pedro “Paquito” Ramalho)
Confira o palmarés dos dois atletas:
Títulos conquistados por Pedro “Paquito” Ramalho
1º Lugar IBJJF Madrid Open (2017)
1º Lugar FPJJB Portuguese National Open (2017/2019)
2º Lugar IBJJF European Open (2020)
3º Lugar UAEJJF Grand Slam – London (2019)
1º Lugar IBJJF World Championship (2015 roxo)
1º Lugar UAEJJF Abu Dhabi World Pro (2015 roxo)
1º Lugar IBJJF European Open (2016 castanho, 2015 roxo)
1º Lugar IBJJF Juvenile European Open (2011 azul)
1º Lugar IBJJF Spanish National Open (2016 castanho)
1º Lugar IBJJF Madrid International Open (2016 castanho)
2º Lugar UAEJJF Abu Dhabi World Pro (2015 roxo)
2º Lugar IBJJF European Open (2017 castanho)
3º Lugar IBJJF European Open (2013 azul)
12 vezes Campeão Nacional
Títulos conquistados por André Sculze
8 vezes Campão Nacional
1º Lugar World Pro Lisbon Trials -65kg
1º Lugar UAEJJF Portugal National Pro -69Kg
Veja a entrevista completa com os atletas André Schulze e Pedro "Paquito" Ramalho
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